quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Ir. Franklins Marques Torres, NJ (noviço)

1. AUTOR
O livro dos Atos dos Apóstolos forma uma obra única com o terceiro Evangelho. Isso pode ser atestado pela unidade literária e teológica . O autor dos Atos se propõe a fazer um resumo da “história das primeiras comunidades cristãs”. Entretanto, quando se fala de “história” não se deve entender como uma obra como conhecemos na modernidade, mas como fatos interpretados à luz da fé no Cristo. O presente trabalho se propõe expor o pensamento atual a respeito dessa obra fundamental na fé das primeiras comunidades cristãs e também na nossa vivência atual do cristianismo.
A tradição da Igreja identifica o autor deste livro, assim como o do terceiro Evangelho, como sendo Lucas, companheiro de Paulo durante e cativeiro e em algumas de suas viagens (Cl 4,14; Fm 24; 2Tm 4,11; At 16,10). Não temos algo seguro a respeito do autor. O que se tem é o que o próprio livro dos Atos dos Apóstolos e as cartas de Paulo nos oferecem, sabe-se, no entanto, que era médico (Cl 4,14). Sua data de composição não é precisa, entretanto, só se pode pensar que seja após a do terceiro Evangelho (Cf. At 1,1), ou seja, por volta do ano 80 d.C. Já por volta de 200 d.C. esta obra já era bem conhecida em toda a Igreja, tendo-o como norma de verdade e de fé. Muito cedo, aliás – ao mais tardar no século IV –, os Atos já eram lidos na liturgia eucarística no tempo pascal. Observamos que este livro influenciou e continua a influenciar muitos cristãos no desejo de volta às origens do cristianismo.
Com o esquema a seguir, podemos ver que o livro dos Aos dos Apóstolos é um complemento do Evangelho de São Lucas.


* Batismo no Espírito e fogo;
– Lc 3,16 / At 2,1-14.

* Descida do Espírito;
– Lc, 21s / At 11,16.

* Centurião romano;
– Lc 7,1-10 / At 10.

* Ressuscita uma menina (aqui ressurreição temporal);
– Lc 8,49-56 / At 9,36-42.

* Visão gloriosa, transfiguração;
– Lc 9,28-36 / At 7,55s; 9,4ss.
* Tempestade acalmada;
– Lc 8, 22-25 / At 27, 13-26.

* Subida de Jerusalém;
– Lc 9, 31-51 / At 19, 21; 21, 15.

* Processo e morte de Estevão; não podem resistir-lhe;
– Lc 21, 15 / At 6,10.

* Perante o grande conselho;
– Lc 22, 15 / At 6, 12s.

* Pede perdão pelos inimigos;
– Lc 23, 34 / At 7, 60.


2. OBJETIVO E CONTEÚDO
No seu Evangelho, Lucas preocupou-se em mostrar que Deus visitou o seu povo no Cristo Jesus, segundo as Escrituras. Em todo o Evangelho, Lucas descreveu a missão do Messias como uma grande subida para Jerusalém, a cidade do Deus Altíssimo, centro da fé judaica. Sendo então uma continuidade do seu Evangelho, Lucas, estrutura os Atos dos Apóstolos como um complemento dessa idéia de universalidade da salvação. Assim como em Jesus todas as promessas foram cumpridas (Lc 3–24), depois da Páscoa e do Pentecostes, é o tempo do testemunho universal sob o impulso do Espírito Santo (At 2). Agora, de Jerusalém, sai a mensagem de salvação a todos os povos (Is 2,3; At 1,8).
Uma preocupação dos Atos é a propagação da Palavra (At 5,42; 6,7; 8,4.25; 9,31; 12,24; 13,49; 15,36; 19,20; 28,31), que é o testemunho fiel do Cristo ressuscitado, primeiro por meio dos Doze, testemunhas visíveis da missão de Jesus (1,2). Depois outros, ocupando o primeiro plano do livro, Paulo, participam desse anúncio da Palavra. Para Lucas, a pregação da Palavra deve levar os ouvintes da mesma, à conversão, a crer no Senhor Jesus Cristo, em quem está a salvação (4,12). Nos Atos dos Apóstolos, a iniciação cristã se dá em duas etapas: batismo em nome de Jesus para o perdão dos pecados (2,38) e imposição das mãos para receber o dom do Espírito Santo (6,6; 19,1-6).
Outro tema caro a Lucas nos Atos dos Apóstolos é a Igreja. A palavra Igreja vem do grego ekklèsia, que biblicamente designava a assembléia do povo de Israel, especialmente no deserto. Com isso, os Atos dos Apóstolos mostra que a Igreja é o novo e único povo de Deus, adquirido com o seu próprio sangue (20,28); são admitidos a esse número os que aceitam Jesus como o Senhor, circuncisos e inciscusisos, sendo batizados no nome de Jesus. Portanto, rejeitar a Igreja é excluir-se da salvação dada por Jesus através da mesma (2,47; 5,14; 16,5). Para os Atos dos Apóstolos, a comunidade primitiva é o modelo para todos os que abraçam a Fé. Esse alcance rompe os limites de tempo e espaço, pois a Igreja é o “hoje” da salvação para todos os homens. Por isso o centro da teologia dos Atos é a universalidade da salvação (1,8; 2,10; 10,01; 11,19; 15,01; 17,31; 28,31).
Finalmente, o que podemos destacar ainda na teologia do livro dos Atos é a passagem da salvação do judaísmo ao cristianismo, da lei à fé (15,1.5.9.11). Entretanto não se pode entender essa passagem como um rompimento, como declarará Paulo ao governador Félix, ao contrário é a única maneira de permanecer firme à esperança de Israel (26,22). Nem por isso os judeu-cristãos não abandonaram as práticas judaicas, a lei e a circuncisão – aliás, muitos queriam impor o mesmo aos cristãos oriundos do paganismo. Paulo foi um apaixonado defensor dos pagãos neste ponto, entretanto, ele mesmo se mostrava fiel observador da Lei (16, 3; 21,26; 22,17).
Para Lucas esse Israel, beneficiário das promessas em Jesus, tem o dever de abrir-se às nações de uma maneira não entendida por eles. Sendo assim, os Atos colocam o próprio Deus intervindo nesse ponto: o episódio de Cornélio (10). Ainda assim alguns interpretaram esse fato como uma exceção. Todavia, para Lucas essa foi a solução e menciona com vigor a vitória nessa questão no Concílio de Jerusalém (15,4-29).
Abaixo está mais bem esquematizada a estrutura do livro dos Atos dos Apóstolos:

I. Introdução: o encargo do anúncio dado aos Apóstolos (1,1-26).

II. O testemunho dos Apóstolos em Jerusalém (2,1–5,42).
• Efusão do Espírito Santo e início da missão (2,1-41).
• Palavras, milagres e perseguição (3,1–4,31).
• A vida em comunidade (2,42-47; 4,32–5,42).

III. O testemunho sobre Cristo sai de Jerusalém e toma o rumo dos pagãos (6,1–15,35).
• De cristãos gregos para judeus gregos (Estevão, Filipe e os helenistas) (6,1– 8,40).
• A conversão de um grande perseguidor: Paulo (9,1-31).
• Pedro missionário é a presença da Igreja entre os pagãos (9,32–11,18).
• A missão dos helenistas em Antioquia (11,19-30).
• A perseguição de Herodes Agripa I à obra (12,1-25).
• Um passo desde Antioquia: a viagem missionária de São Paulo e Barnabé e a adesão de judeus e gentios (13,1–14,28).
• Os conflitos de tendências e o Concílio de Jerusalém (15,1-35).

IV. O caminho do testemunho sobre o Cristo até os confins da terra (15,36–28-31).
• A segunda viagem missionária de Paulo (15,36–18,22).
• A terceira viagem missionária de Paulo (18,23–21,14).
• Prisão de Paulo em Jerusalém (21,15–23,35).
• Prisão de Paulo em Cesaréia (24,1-26).
• A viagem a Roma (27,1–28,16).
• A pregação de Paulo em Roma (28,17-31).

Tabela 2.1.
1 – 12:
A Igreja de Jerusalém e as primeiras missões – parte petrina.
13 – 15:
Antioquia Paulo e Barnabé Concílio de Jerusalém Tiago e Pedro.
16 – 28:
De Antioquia a Roma – parte paulina.

3. QUESTIONAMENTO
Após essa reflexão e discussão a respeito desse precioso livro da Sagrada Escritura, ainda nos surgem questionamentos. Este trabalho não se propõe a solucionar problemas, nem tão pouco dar respostas definitivas. Gostaria aqui de dar inicio a uma pequena discussão: Seria Atos dos Apóstolos o nome mais adequado deste livro?
Se observarmos melhor a estrutura da obra de Lucas percebemos uma personagem que se destaca entre todas: Paulo. Este Apóstolo aparece primeiramente no capítulo sete, no martírio de Estevão (7,58), daí então praticamente toda a narrativa gira em torno de Paulo – primeiramente Saulo. Algo que também notamos claramente é a importância dada à sua conversão, que é narrada três vezes (9,1-19a; 22,5-16; 26,9-18). Para Lucas ainda o Apóstolo Paulo é o modelo de Igreja missionária, falando de três viagens para anunciar a palavra de salvação (13–14; 15,36–18,22; 18,23–21,17 respectivamente). Outra consideração é a respeito da relação do autor com Paulo. Como vimos Lucas era companheiro do Apóstolo, tendo bastante base pessoal para escrever sobre ele com paixão de discípulo fiel ao mestre. Podemos observar traços claros da teologia e termos paulinos na obra dos Atos dos Apóstolos.
Tendo exposto estas particularidades deste livro, propomos ainda uma leve mudança no título desta obra. Deixamos claro que é uma mera sugestão, sem pretensão nenhuma, apenas uma opinião pessoal baseada nas observações feitas acima. Um título que poderíamos dar a este livro seria: “Os Atos de Paulo”.

4. CONCLUSÃO
Ao estudarmos esta obra-prima da literatura do primeiro século, percebemos a grade influência da mesma na vida das primeiras comunidades cristãs. Especialmente a figura do grande missionário, Paulo de Tarso. Também não podemos deixar de destacar com que grande força este livro impulsiona tantas comunidades e movimentos na Igreja de hoje a buscar o ideal da Igreja primitiva. Cabe a Igreja de hoje o fiel seguimento da Palavra de Deus, sob o impulso do Espírito Santo, “até as extremidades da Terra”, para que todos, sem exceção, alcancem a salvação em Cristo, cumprimento da Promessa do Pai.

5. BIBLIOGRAFIA
• BÍBLIA SAGRADA Tradução da CNBB; 6ª Edição; Edições CNBB, Brasília-DF; Editora Canção Nova, São Paulo-SP, 2007.
• BÍBLIA DE JERUSALÉM; Editora Paulus, São Paulo-SP, 2004.
A BÍBLIA TEB; Edições Loyola, São Paulo-SP, 1994.