1. PREFÁCIO
Acredito que nada melhor para escrever sobre a personalidade e a convicção desse grande apóstolo de Jesus, como uma autodescrição:
[Eu Saulo/Paulo] fui circuncidado no oitavo dia, sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreus; quanto à observância da Lei, fariseu; no tocante ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que vem da Lei, irrepreensível. Mas essas coisas, que eram ganho para mim, considerei-as prejuízo por causa de Cristo. Mas que isso, julgo que tudo é prejuízo diante deste bem supremo que é o conhecimento do Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele, perdi tudo e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo e ser encontrado unido a ele. (Fl 3, 5-9a)
Com esse texto da carta aos filipenses, percebemos a sua consciência de que Deus o escolheu, não obstante às suas falhas, não acolheu esse chamado como privilégio, mas como grande responsabilidade com a qual não brincou ou perdeu tempo.
Graças a essa convicção da seriedade do seu apostolado, realizou grandes viagens, fundou comunidades, escreveu muitas cartas, deixando uma quantidade relativamente maior de material a seu respeito do que os outros apóstolos.
2. HISTORIOGRAFIA DO APÓSTOLO
Saulo nasceu em Tarso da Cilícia (At 9,11; 21,39; 22,3), entre os anos 5 e 10 da nossa era (Fm 9). Desde sua infância, foi instruído no farisaísmo, em Jerusalém, por Gamaliel, um grande rabi de sua época (At 22,3; At 26,5). Saulo é da tribo de Benjamim, sendo ainda, de cidadania romana (At 16,37; Fl 3,5).
Inicialmente, foi implacável perseguidor da Igreja nascente (At 22,4). Por volta do ano 35 dC, um grande acontecimento no caminho para Damasco (At 9,1-19a; 22,5-16; 26,12-18) transforma totalmente o rumo da vida deste homem de Deus. Antes, convicto de estar fazendo a vontade de Deus, mais ainda depois do encontro com o Cristo ressuscitado, tornou-se Arauto do mesmo Caminho que anteriormente suprimira com violência. Agora a violência era interior, de anunciar o Cristo do qual toma o título de Apóstolo – mesmo sendo um título dado quase que exclusivamente aos Doze –confirmado pelas palavras do próprio Jesus (At 22,21).
Na sua primeira missão apostólica ocorre no ano 40 – depois de ter subido à Jerusalém para apresentar-se a Pedro, no ano 37 – parte com Barnabé para Chipre, Panfília, Pisídia e Licaônia (At 13–14), quando passou dedicar-se exclusivamente aos pagãos e também adotou seu nome romano: Paulo. Surge, de seu apostolado entre os pagãos, um conflito de Paulo e seus companheiros, com os cristãos de origem judaica, conseqüentemente, com os Doze. Por esse motivo, aproximadamente, entre 48/49, em Jerusalém, é convocado o primeiro Concílio da Igreja, para tratar da obrigatoriedade, ou não, dos recém convertidos ao cristianismo, de origem pagã, de cumprirem a Lei de Moisés e fazerem-se circuncidados.
No ano seguinte (50-52), Paulo parte em sua segunda viagem (At 15,36–18,22) percorrendo e confirmando a fé das comunidades na Síria e a Cilícia (At 15,41). Depois prosseguiu por Derbe, Listra, – onde conheceu Timótio – Frígia, Galácia, Mísia, Trôade, Samotrácia, Neápolis, Filipos e outras cidades e regiões. Nessa mesma viagem, na cidade de Filipos, foi seu primeiro cárcere. A sua terceira viagem (At 18,23–21,17) foi entre os anos 53-58. Na festa de Pentecostes do ano 58, Paulo é preso no Templo, em Jerusalém, e depois transferido para Cesaréia (At 21,27–23,22), até que no outono de 60, o Procurador Festo o envia para Roma, permanecendo ali ainda dois anos, terminando nosso conhecimento bíblico da vida desse Apóstolo. O que temos depois disso são tradições a partir de suas cartas, das quais se pode conjecturar que foi à Espanha (1Cor 15, 24-25). Tais tradições nos dão a data do seu martírio no ano 64 ou 67.
3. ESCRITOS DO APÓSTOLO
As Epístolas paulinas são um verdadeiro legado deste Apóstolo de alma apaixonada e apaixonante. Não são tratados de teologia, mas respostas a situações. Entretanto não se deve diminuir seu valor de transmissão do “evangelho” de Paulo. Nelas podemos enxergar a entrega incondicional de um homem a Deus, que sabe ser seu único e verdadeiro bem (Fl 3,7). As suas cartas demonstram seus sentimentos a cada comunidade ou colaborador que escreve. Seja uma exortação dura (Gálatas), profundo agradecimento (Filipenses), grande decepção (Coríntios). A mensagem principal de sua pregação é o querigma, consistindo no Cristo morto e ressuscitado conforme as Escrituras (Gl 3,1). É o apóstolo dos gentios (Gl 1,16), na sua linha universalista.
Como dito anteriormente, seus escritos ocupam a maioria – entre próprios ou da “escola paulina” – do cânon do Novo Testamento, exatamente sete. Percebemos daí a importância desse Apóstolo para a consolidação da Doutrina da Igreja Primitiva.
No quadro abaixo, fica bem visível a diferença da ordem das cartas paulinas, entre o cânon da Bíblia e composição.
SEQUÊNCIA DO CÂNON
Epístola aos Romanos
I Epístola aos Coríntios
II Epístola aos Coríntios
Epístola aos Gálatas
Epístola aos Efésios
Epístola aos Filipenses
Epístola aos Colossenses
I Epístola aos Tessalonicenses
II Epístola aos Tessalonicenses
I Epístolas a Timóteo
II Epístola a Timóteo
Epístola a Tito
Epístola a Filêmon
SEQUÊNCIA CRONOLÓGICA
I Epístola aos Tessalonicenses
II Epístola aos Tessalonicenses
Epístola aos Filipenses
Epístola a Filêmon
I Epístola aos Coríntios
Epístola aos Gálatas
II Epístola aos Coríntios
Epístola aos Romanos
Epístola aos Colossenses
Epístola aos Efésios
I Epístola a Timóteo
II Epístola a Timóteo
Epístola a Tito
As cartas de Paulo dividem-se em autênticas e inautênticas, sendo que, dentro das autênticas, existem ainda as do cativeiro. Já as inautênticas, podem ser divididas em: pastorais e não-pastorais. Veja na tabela a seguir:
AUTÊNTICAS
CATIVEIRO FORA DO CATIVEIRO
Fl
Fm 1 Ts
Gl
1ª parte de Cor
2ª parte de Cor
Rm
INAUTÊNTICAS
PASTORAIS NÃO-PASTORAIS
1 Tm Ef
2 Tm Cl
´ Tt 2 Ts
As Epístolas chamadas autênticas são aquelas que entre os estudiosos não há dúvida de haverem sido escritas pelo próprio Paulo, ou ainda redigidas por um colaborador, sendo ditada pelo Apóstolo.
Em contraposição temos as inautênticas, assim chamada por sérias críticas relacionadas ao pensamento teológico, estilo, situação, por vezes, contradizentes às demais Epístolas paulinas, ou claras cópias.
Obs.: Iremos fazer as considerações relativas a cada carta seguindo a ordem cronológica e não a do cânon da Sagrada Escritura.
Autênticas
Primeira Epístola aos Tessalonicenses
A carta mais antiga de São Paulo é também o mais antigo escrito do Novo Testamento, estamos falando da Primeira Epístola aos Tessalonicenses. Composta no verão do ano 50 dC, na sua primeira estadia na cidade de Corinto. O impulso para escrever esta carta fôra as notícias trazidas por Timóteo, enviado por Paulo de Atenas (At 17, 1-9). A carta contém orientações pastorais para a consolidação da fé na recém nascida comunidade. O conteúdo principal da carta é: Exortação à vida santa; A esperança dos cristãos; Instruções sobre a parusia de Cristo; Instruções para a vida em comunidade.
Segunda Epístola aos Tessalonicenses
Foi redigida, seguindo estritamente o modelo da Primeira, até mesmo em locuções menos importantes. Sendo a situação epistolar a mesma, se a mesma fosse autêntica, devia ter sido escrito imediatamente após a Primeira, por volta do ano 50 dC. Alguns conjecturam que o próprio Apóstolo a escreveu a fim de corrigir certos mal-entendidos relacionados à parusia de Cristo, exposta na Primeira epístola
Epístola aos Filipenses (Veja mais a frente)
Epístola a Filêmon
Como já anteriormente foi apontada, esta Epístola, foi escrita enquanto Paulo estava em cativeiro na cidade de Éfeso (54/55 dC). Ainda que os Atos dos Apóstolos, nem as demais Epístolas próprias não mencionem explicitamente o lugar da detenção. A carta trata de um assunto muito pessoal. Nesta época a igreja de Colossas reunia-se em casa de Filêmon. Este tinha um escravo chamado Onésimo, que fugiu para dar assistência a Paulo no cárcere. Tendo batizado Onésimo, Paulo o envia de volta portando uma carta a seu senhor, agora como irmão na fé, recomendando que o recebesse sem castigo algum.
Primeira e Segunda Epístolas aos Coríntios
Há vários problemas a respeito da composição destas duas Epístolas. A respeito das Epístolas, temos certeza que, pelo menos, há cinco cartas “autênticas”. Durante a composição das duas Epístolas, ficaram misturadas:
I. “Pré-canônica” (Cf. 1Cor 5,9-13);
II. 1Cor, juntamente com uma carta, quando Paulo estava em Éfeso (Cf. 1Cor 1,11; 7,1);
III. A “carta em lágrimas” (Cf. 2Cor 2,3.4.9;7,8.12);
IV. 2Cor, em resposta às calúnias recebidas;
V. As cartas de solidariedade com os pobres de Jerusalém (Cf. 2Cor 8–9).
Os temas específicos da Primeira Epístola podem ser listados da seguinte maneira: divisões na comunidade, abusos gritantes, a vida do cristão no mundo, a vida a comunidade e a ressurreição de Cristo e a nossa.
Os da Segunda Epístola são: Desavenças e reconciliação com os coríntios; Sobre a coleta; Autodefesa do Apóstolo.
Epístola aos Gálatas
Esta Epístola foi escrita durante a atividade de Paulo em Éfeso e arredores, aproximadamente no ano 54 dC. O principal motivo desta carta foi porque pouco tempo depois da última estada de Paulo entre os gálatas, deram ouvidos a cristãos oriundos do judaísmo, que os quis impor a Lei de Moisés, a começar pela circuncisão. Na visão do Apóstolo, isso quedaria em um retrocesso na “fé agindo pela caridade” (Gl 5,6). Podemos extrair quatro temas principais desta Epístola: O único evangelho; A liberdade cristã; A fé agindo pelo amor; Os frutos do Espírito.
Epístola aos Romanos
Datada do ano 57/58 dC, durante sua terceira viagem missionária, quando ficou três meses na Grécia, mais especificamente na cidade de Corinto, antes de voltar para Jerusalém. Diferentemente das outras obras do Apóstolo, a Epístola aos Romanos não foi motivada por circunstâncias ou questionamentos das comunidades, mas é uma verdadeira “tese” teológico-pastoral. Alguns estudiosos consideram esta Epístola como um verdadeiro “Evangelho de Paulo”. O corpo temático específico da Epístola segue a seguinte seqüência: A fé em Jesus, o Cristo; A graça e a gratuidade; A justiça salvadora e libertadora; A universalidade da salvação.
Inautênticas
Epístola aos Colossenses
Esta Epístola deve se situar certo tempo depois das grandes cartas, provavelmente durante o cárcere em Cesaréia ou Roma (60 dC). Ela foi redigida por um colaborador de Paulo, que a assinou de próprio punho (4,18). Esta mesma Epístola é destinada também aos cristãos de Laodicéia, servindo assim depois como modelo para a Epístola aos Efésios. O intento provável da carta é proteger os fiéis das pessoas que ameaçam a simplicidade do Evangelho, com especulações cósmicas e prescrições ascéticas, bem ao estilo helenístico, misturado a elementos da tradição judaica. Temas específicos: A novidade em Cristo; Cristo, tudo em todos; A solidariedade intereclesial; Amor e justiça em casa.
Epístola aos Efésios
A Epístola aos Efésios é uma carta circular com destinação a comunidade da Ásia Menor, uma província romana que tinha como capital Éfeso. Entretanto, de carta ela só possui a forma, trata-se antes de uma verdadeira homilia. O autor inspirou-se na Epístola aos Colossenses, transformando-a em uma homilia, a fim de atingir um público mais amplo. A data provável de sua composição é em torno do ano 100 dC. Da mesma forma que a Epístola aos Colossenses, ela divide-se em duas grandes partes, sendo a primeira doutrinal e a segunda exortativa. Temas específicos: O Cristo glorioso, cósmico e eclesial; O “mistério de Cristo” e a salvação universal; Recapitular tudo em Cristo; Igreja e família; Ética para vivência no mundo em vez de “parusia já”.
Epístolas a Timóteo
Juntamente com a Epístola a Tito (a Epístola a Filêmon, por ser para uma pessoa em particular. Entretanto, foi escrita muito anteriormente), as Epístolas a Timóteo fazem parte do conjunto das chamadas “cartas pastorais”. Diferentemente das outras Epístolas, direcionadas a determinadas comunidades, estas são dirigidas a pessoas em particular, tratando de funções instituídas (bispos, presbíteros, diáconos, viúvas). Esta Epístola data, aproximadamente, dos primeiros decênios do século II dC. Temas específicos: Guardar o que foi confiado; A organização pastoral; Insistir oportuna e inoportunamente; A sã doutrina; Firmeza na Sagrada Escritura.
Epístola a Tito
Esta deve ser situada próxima à Primeira Epístola a Timóteo, pois têm muito em comum. Ela é a terceira das “cartas pastorais”. Tito era companheiro de Paulo na reunião com os Apóstolos em Jerusalém, sendo ele mesmo cristão oriundo do paganismo (Gl 2,1-3). A Epístola, semelhantemente a 1 Tm, contém traços mais pessoais em relação à função de Tito na cidade de Creta, onde foi bispo até sua morte (1,5). Esta Epístola data aproximadamente dos primeiros decênios do segundo século da era cristã. Temas específicos: A fé comum; A salvação; A manifestação da graça e do amor.
4. EPÍSTOLA ESPECÍFICA
Epístola aos Filipenses
Como anteriormente apontado, esta Epístola pertence ao conjunto de Epístolas chamadas “cartas do cativeiro”. Ela pressupõe um intercâmbio intenso de notícias e, portanto, uma relativa proximidade entre o lugar da prisão de Paulo e a residência dos destinatários, indicando dessa maneira sê-lo Éfeso, e não Roma ou Cesaréia. Ainda que o livro dos Atos dos Apóstolos não faça menção alguma a um cárcere de Paulo em Éfeso e as suas próprias Epístolas não falem explicitamente o lugar, contudo em 1 Cor 15,32 e 2 Cor 1,8s falam de uma perseguição e de um perigo mortal em Éfeso. O ano provável da composição da carta é 54/55 dC.
A autenticidade da Epístola foi contestada por alguns que enxergaram vários bilhetes inicialmente independentes, ou pelo menos dois (1,1–3,1 + 4,10-23 e 3,2–4,9). No entanto, a transição repentina de 3,1 para 3,2, pode ser explicada levando em conta a retomada de ditado ou de pensamento.
A Epístola aos Filipenses é dirigida aos fiéis da cidade de Filipos, a primeira comunidade fundada na Europa por Paulo, batizando pessoalmente muitos deles, enquanto estava em sua segunda viagem missionária, no ano 50 dC. Alguns dizem que esta é a comunidade favorita de Paulo. Na carta ele responde à curiosidade dos fiéis da comunidade a respeito do seu estado depois do que sofreu em Éfeso. O Apóstolo também agradece à ajuda cedida por eles, entregue por intermédio de Epafrodito. Aliás, esta é a única igreja que, tendo sido fundada por ele, aceitou mais de uma vez (4,15-16), ajuda material, seja ao partir da Macedônia ou no cativeiro.
Paulo também aproveita a carta para censurar falsos mestres, provavelmente cristãos vindos do judaísmo, que se infiltraram na comunidade eclesial. Sendo ele mesmo oriundo do judaísmo, considera tudo perda em comparação com a graça da fé, deixando-se dominar por Cristo (3,5-9). O Apóstolo começa com o tema da comunhão, o qual está do início ao fim da Epístola. Ele tem plena convicção que seu cativeiro servirá de instrumento para a ação de Deus, para a propagação do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Convida ainda os fiéis a perseverar no combate, pois a força vem de Deus (4,13). A Unidade deve ser mantida com toda a humildade a exemplo de Jesus (2,2-3.5-8).
O seguinte quadro ajuda a ter uma visão mais ampla do conteúdo da Epístola.
Tabela 4.1.
1, 1-11: Saudação e ação de graças
1, 12-26:
As dificuldades de Paulo 1, 27–2,18:
Exortação à comunidade 2, 19–3,1:
Projetos relacionados a Timóteo e Epafrodito 3,2–4,1:
Advertência contra os judaizantes 4, 2-20:
Exortações e agradecimentos
4, 21-23: Final
Temas mais caros à Epístola: Opção radical e identificação com Cristo; O; despojamento de Cristo; Alegria.
5. BIBLIOGRAFIA
• BÍBLIA SAGRADA Tradução da CNBB; 6ª Edição; Edições CNBB, Brasília-DF; Editora Canção Nova, São Paulo-SP, 2007.
• BÍBLIA DE JERUSALÉM; Editora Paulus, São Paulo-SP, 2004.
• A BÍBLIA TEB; Edições Loyola, São Paulo-SP; Paulinas, São Paulo-SP, 1996.
• BORNKAMM, G.; Paulo vida e obra; Tradução de Bertilo Brod; Editora Vozes, Petrópolis-RJ, 1992.
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